COVID19 e Doença de Addison
- Luís Cardoso
- 1 de abr. de 2020
- 3 min de leitura
A insuficiência córtico-suprarrenal é uma doença crónica em que, pela ausência de produção endógena de cortisol, os doentes necessitam de tomar corticoides ao longo da sua vida, sendo a hidrocortisona o fármaco de substituição mais frequente. Quando as glândulas suprarrenais são incapazes de produzir cortisol denomina-se de doença de Addison ou insuficiência córtico-suprarrenal primária. Quando a disfunção não se localiza nas glândulas suprarrenais, mas sim na hipófise ou hipotálamo, designa-se por insuficiência córtico-suprarrenal secundária. Em qualquer dos casos, o objetivo do tratamento é mimetizar a produção endógena de cortisol, o que é bastante difícil com as terapêuticas atuais, sobretudo durante os períodos de doença.

Tal como na diabetes e obesidade, não existe evidência que sugira que os doentes com insuficiência córtico-suprarrenal tenham maior risco para infeção por Covid-19. No entanto, estudos têm reportado que as pessoas com insuficiência córtico-suprarrenal têm um risco aumentado de complicações associadas a infeções respiratórias, provavelmente devido a disfunção do sistema imunitário.[1, 2]
A insuficiência córtico-suprarrenal primária foi associada a disfunção da imunidade inata, com diminuição da resposta citotóxica das célular NK comprometendo, assim, o reconhecimento e eliminação precoce das células infetadas. Esta potencial disfunção na resposta imunitária antiviral pode contribuir para o ligeiro risco acrescido de infeções respiratórias e mortalidade na insuficiência córtico-suprarrenal primária.[3] Não obstante, o incremento sub-óptimo da dose de hidrocortisona durante os períodos de doença (infeção) também poderá contribuir para esse risco.
Até ao presente, não foram reportados estudos que avaliassem o risco de complicações e/ou mortalidade nos doentes com insuficiência córtico-suprarrenal infetados por Covid-19. Não obstante, pelo exposto em cima, os doentes com insuficiência córtico-suprarrenal poderão ter um risco mais elevado de complicações quando infetados por Covid-19, pelo que se recomenda o escrupuloso cumprimento das medidas de prevenção de infeção (ver Covid-19 e Endocrinologia) e gestão da terapêutica com hidrocortisona durante o período de doença.
Tratamento da insuficiência córtico-suprarrenal durante a infeção por Covid-19
Em caso de infeção por Covid-19, os doentes devem modificar a sua terapêutica com corticoide logo que surjam os primeiros sintomas e seguindo as recomendações da dose de stress/dias de doença. Ou seja, os doentes devem duplicar ou triplicar a sua dose habitual de corticoide, de modo a evitar a instalação de insuficiência córtico-suprarrenal aguda, complicação potencialmente grave. Adicionalmente, recomenda-se aos doentes:[4-6]
Fazer-se sempre acompanhar pelo Cartão de Emergência para Doentes com Insuficiência Córtico-suprarrenal (ver SPEDM);
Verificar se tem medicação suficiente a médio prazo e/ou para todo o período de confinamento;
Dispor de na sua posse de kit de emergência de autoinjecção intramuscular de hidrocortisona;
Regra 1 dos dias de doença: duplicar ou triplicar a dose de hidrocortisona se febre, tosse ou doença aguda com asteniamarcada/necessidade de repouso no leito; deverá manter o dobro/triplo da dose enquanto mantiver os sintomas;
Regra 2 dos dias de doença: administrar hidrocortisona intramuscular (ou endovenosa, em contexto hospitalar) nas situações de vómitos ou diarreia persistentes, durante a preparação para colonoscopia ou outros procedimentos que necessitem de jejum, doença grave, trauma agudo ou cirurgia;
Em caso dúvidas, contacte o serviço onde é habitualmente seguido antes de se dirigir a este;
Se náuseas ou vómitos que impeçam a toma de comprimidos de hidrocortisona, e não disponha do kit de emergência de autoinjecção intramuscular de hidrocortisona, deverá contactar a linha SNS24 - 808 242 424 ou dirigir-se a um serviço de saúde e apresentar o cartão de portador de doença de Addison e/ou referir que está medicado com hidrocortisona, para que esta seja administrada por via intravenosa.
1. European Society of Endocrinology, COVID-19 and endocrine disease: Clinical information and comment from ESE. A statement from the European Society of Endocrinology COVID-19 and endocrine diseases. 2020.
2. American Association of Clinical Endocrinologists, 2020. AACE Position Statement: Coronavirus (COVID-19) and People with Adrenal Insufficiency and Cushing’s Syndrome.
3. Bancos, I., et al., Primary adrenal insufficiency is associated with impaired natural killer cell function: a potential link to increased mortality. Eur J Endocrinol, 2017. 176(4): p. 471-480.
4. Arlt, W. and C. Society for Endocrinology Clinical, SOCIETY FOR ENDOCRINOLOGY ENDOCRINE EMERGENCY GUIDANCE: Emergency management of acute adrenal insufficiency (adrenal crisis) in adult patients. Endocr Connect, 2016. 5(5): p. G1-G3.
5. Bornstein, S.R., et al., Diagnosis and Treatment of Primary Adrenal Insufficiency: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab, 2016. 101(2): p. 364-89.
6. Colégio de Endocrinologia e Nutrição, Informação no contexto da pandemia Covid-19. 2020, Ordem dos Médicos.
Comments